Geral 13/10/2011 12h10min
Permitido estacionar: moradores de rua transformam carros em casas na Capital
Pessoas em situação de rua são abordadas pela prefeitura, mas não podem ser obrigadas a deixar lugares
Vanessa Beltrame vanessa.beltrame@zerohora.com.br
No estacionamento ao lado do Pronto-Atendimento Cruzeiro do Sul (PACS), no bairro Santa Tereza, em Porto Alegre, quatro carros nunca desocupam as vagas em que estão há meses.
Abandonados pelos seus donos na Avenida Moab Caldas, foram invadidos por moradores de ruas que transformaram os automóveis em suas residências. O casal Paulo Renato Moreira, 46 anos, e Joana Aires da Silva, 50 anos, chega a usar dois carros em uma combinação: uma Variant e um Fusca fazem as vezes de quarto e despensa, respectivamente.
Moreira e a mulher ocupam o local há cerca de seis meses — tempo suficiente para ganhar a simpatia de vizinhos. Juntos há sete anos, "na alegria e na doença", como eles mesmos dizem, o casal guarda carros nas redondezas para se sustentar. Ele era pedreiro antes de ser diagnosticado com osteoporose e ela fazia instalações hidráulicas até ser impedida por um derrame. A falta de renda obrigou o casal a deixar a peça que alugava na residência de um conhecido.
— Queremos conseguir uma casa para morar, mas isso é difícil. Enquanto isso, ficamos aqui, onde somos amigos de todo mundo e estamos em uma situação melhor do que na rua — diz Moreira, que reveza as horas de sono com a mulher para que roupas, cobertores, alimentos e o pequeno aparelho de TV não sejam saqueados.
A situação pode mudar em breve. O casal foi selecionado para receber o Aluguel Social — recurso assistencial da prefeitura destinado a atender famílias sem moradia — mas ainda precisa encontrar uma peça para alugar. Quando tudo estiver resolvido, Joana quer trazer o filho de oito anos, que mora com a avó em São Sepé, para a Capital.
A vontade de estar próximo do filho também é a motivação do catador Jonas Gay Tessmann, 27 anos, para puxar o carrinho por 13 horas diárias em busca de materiais para reciclar. Ele mora a alguns metros do Fusca do casal, em um Del Rey sem rodas e camuflado por alguns banners antigos.
Sozinho há três semanas, desde que a mulher foi internada para tratar um edema pulmonar, ele teve cobertores furtados ao sair para trabalhar no sábado passado. Sem documentos, que foram perdidos em andanças pelas ruas, Tessmann não pode se aplicar para benefícios sociais.
— O que eu mais queria era ter uma casa para estar com a minha mulher e meu filho. Mas não sei como fazer isso — lamenta o catador, ao falar sobre o menino de um ano e meio que mora com uma tia.
Jonas Tessmann, 27 anos, vive sozinho em um Del Rey
O último membro da vizinhança estacionada é o porto-alegrense Marcos Medeiros Maia, 37 anos. Estabelecido em um Chevette, ele divide o interior do carro com o lixo que recolhe para vender, um retrato das precárias condições de higiene de quem vive na rua. De poucas palavras, o catador relata apenas que vive em paz sozinho:
— Aqui ninguém mexe comigo, as crianças não incomodam. Não sou feliz, mas tenho sossego.
Prefeitura interfere mediante reclamação
Pessoas em situação de rua são abordadas pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), mas não podem ser obrigadas a deixar os lugares em que estão. De acordo com a coordenadora do Centro de Referência Especializada de Assistência Social (Creas), Lucimar Rodrigues de Souza, a conversa com os moradores de rua é feita mediante solicitação de alguém da comunidade, por telefone.
— Oferecemos o serviço da rede de proteção, que são abrigos, albergues e a própria rede de saúde, mas depende da pessoa querer se vincular à rede socioassistencial. Se ela não quiser ir, não podemos obrigá-la — explica Souza.
Não é comum o Creas atender ocorrências de pessoas vivendo em carros abandonados. Até hoje, foram apenas duas situações na Capital. Na primeira, na região central, o morador de rua aceitou o serviço da prefeitura, mas não deu sequência aos encaminhamentos. Em outra, no bairro Azenha, o Creas não encontrou o homem, que, segundo testemunhas, já havia saído do carro e procurado outro lugar para viver.
Segundo a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), não há o que fazer quando os carros antigos estão estacionados em local permitido e emplacados. Se o carro for considerado sucata, a EPTC chama o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), que o recolhe.
Nos Estados Unidos, o carro próprio tem sido uma opção de abrigo para famílias que não podem pagar aluguel ou que perderam a casa para a hipoteca. Segundo a revista Times, 10% dos cerca de 50 mil desabrigados de Los Angeles viviam em carros em 2009. A prática é recriminada pelo governo.
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Permitido estacionar: moradores de rua transformam carros em casas na Capital
Pessoas em situação de rua são abordadas pela prefeitura, mas não podem ser obrigadas a deixar lugares
Vanessa Beltrame vanessa.beltrame@zerohora.com.br
No estacionamento ao lado do Pronto-Atendimento Cruzeiro do Sul (PACS), no bairro Santa Tereza, em Porto Alegre, quatro carros nunca desocupam as vagas em que estão há meses.
Abandonados pelos seus donos na Avenida Moab Caldas, foram invadidos por moradores de ruas que transformaram os automóveis em suas residências. O casal Paulo Renato Moreira, 46 anos, e Joana Aires da Silva, 50 anos, chega a usar dois carros em uma combinação: uma Variant e um Fusca fazem as vezes de quarto e despensa, respectivamente.
Moreira e a mulher ocupam o local há cerca de seis meses — tempo suficiente para ganhar a simpatia de vizinhos. Juntos há sete anos, "na alegria e na doença", como eles mesmos dizem, o casal guarda carros nas redondezas para se sustentar. Ele era pedreiro antes de ser diagnosticado com osteoporose e ela fazia instalações hidráulicas até ser impedida por um derrame. A falta de renda obrigou o casal a deixar a peça que alugava na residência de um conhecido.
— Queremos conseguir uma casa para morar, mas isso é difícil. Enquanto isso, ficamos aqui, onde somos amigos de todo mundo e estamos em uma situação melhor do que na rua — diz Moreira, que reveza as horas de sono com a mulher para que roupas, cobertores, alimentos e o pequeno aparelho de TV não sejam saqueados.
A situação pode mudar em breve. O casal foi selecionado para receber o Aluguel Social — recurso assistencial da prefeitura destinado a atender famílias sem moradia — mas ainda precisa encontrar uma peça para alugar. Quando tudo estiver resolvido, Joana quer trazer o filho de oito anos, que mora com a avó em São Sepé, para a Capital.
A vontade de estar próximo do filho também é a motivação do catador Jonas Gay Tessmann, 27 anos, para puxar o carrinho por 13 horas diárias em busca de materiais para reciclar. Ele mora a alguns metros do Fusca do casal, em um Del Rey sem rodas e camuflado por alguns banners antigos.
Sozinho há três semanas, desde que a mulher foi internada para tratar um edema pulmonar, ele teve cobertores furtados ao sair para trabalhar no sábado passado. Sem documentos, que foram perdidos em andanças pelas ruas, Tessmann não pode se aplicar para benefícios sociais.
— O que eu mais queria era ter uma casa para estar com a minha mulher e meu filho. Mas não sei como fazer isso — lamenta o catador, ao falar sobre o menino de um ano e meio que mora com uma tia.
Jonas Tessmann, 27 anos, vive sozinho em um Del Rey
O último membro da vizinhança estacionada é o porto-alegrense Marcos Medeiros Maia, 37 anos. Estabelecido em um Chevette, ele divide o interior do carro com o lixo que recolhe para vender, um retrato das precárias condições de higiene de quem vive na rua. De poucas palavras, o catador relata apenas que vive em paz sozinho:
— Aqui ninguém mexe comigo, as crianças não incomodam. Não sou feliz, mas tenho sossego.
Prefeitura interfere mediante reclamação
Pessoas em situação de rua são abordadas pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), mas não podem ser obrigadas a deixar os lugares em que estão. De acordo com a coordenadora do Centro de Referência Especializada de Assistência Social (Creas), Lucimar Rodrigues de Souza, a conversa com os moradores de rua é feita mediante solicitação de alguém da comunidade, por telefone.
— Oferecemos o serviço da rede de proteção, que são abrigos, albergues e a própria rede de saúde, mas depende da pessoa querer se vincular à rede socioassistencial. Se ela não quiser ir, não podemos obrigá-la — explica Souza.
Não é comum o Creas atender ocorrências de pessoas vivendo em carros abandonados. Até hoje, foram apenas duas situações na Capital. Na primeira, na região central, o morador de rua aceitou o serviço da prefeitura, mas não deu sequência aos encaminhamentos. Em outra, no bairro Azenha, o Creas não encontrou o homem, que, segundo testemunhas, já havia saído do carro e procurado outro lugar para viver.
Segundo a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), não há o que fazer quando os carros antigos estão estacionados em local permitido e emplacados. Se o carro for considerado sucata, a EPTC chama o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), que o recolhe.
Nos Estados Unidos, o carro próprio tem sido uma opção de abrigo para famílias que não podem pagar aluguel ou que perderam a casa para a hipoteca. Segundo a revista Times, 10% dos cerca de 50 mil desabrigados de Los Angeles viviam em carros em 2009. A prática é recriminada pelo governo.
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